Reportagem Especial
Direitos Sociais

A Luta Invisível das Mulheres do Campo pela Aposentadoria

Milhares de trabalhadoras rurais enfrentam barreiras jurídicas para comprovar uma vida dedicada ao trabalho no campo

AP
ANA PALOMA SALVADOR
7 de outubro de 2025

Imagine dedicar uma vida inteira ao trabalho árduo no campo, cultivando a terra e contribuindo para o sustento da família, apenas para ter seu direito à aposentadoria negado. Essa é a dura realidade de muitas mulheres rurais no Brasil, especialmente as noras que trabalham nas terras de seus sogros. Um projeto de pesquisa da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público, assinado por ANA PALOMA SALVADOR, joga luz sobre essa injustiça e busca soluções para um problema que afeta a dignidade de milhares de trabalhadoras.

O Coração do Problema: A Prova do Trabalho

No sistema previdenciário brasileiro, para que um trabalhador rural tenha direito à aposentadoria, ele precisa comprovar seu tempo de serviço. Para os trabalhadores em regime de economia familiar (onde todos os membros da família trabalham juntos para o sustento), a prova pode ser feita com documentos que comprovem a atividade rural. No entanto, surge um grande obstáculo para as noras: muitas vezes, os documentos da terra e da produção estão em nome dos sogros, e não delas próprias.

Os tribunais, em algumas interpretações, consideram que a nora não faz parte do "grupo familiar" para fins de aposentadoria rural, negando o benefício mesmo quando há testemunhas que confirmam o trabalho da nora. Essa interpretação ignora a realidade do campo, onde o trabalho é compartilhado entre gerações e a documentação nem sempre reflete a participação de todos.

Mulheres que dedicaram suas vidas ao trabalho pesado, muitas vezes em condições precárias, veem seu direito à aposentadoria negado em um momento em que mais precisam de amparo.

Dignidade em Jogo: As Consequências da Negativa

A pesquisa de ANA PALOMA SALVADOR destaca que essa negativa judicial não é apenas uma questão burocrática; é uma violação grave da dignidade humana e do princípio da igualdade. Mulheres que dedicaram suas vidas ao trabalho pesado, muitas vezes em condições precárias, veem seu direito à aposentadoria negado em um momento em que mais precisam de amparo. Essa situação as deixa em um estado de vulnerabilidade social e econômica, agravada pela invisibilidade de seu trabalho.

O estudo argumenta que a interpretação restritiva do conceito de "grupo familiar" é incompatível com a realidade social do campo e com os princípios constitucionais que regem o Direito Previdenciário. A Constituição Federal garante a proteção social e a dignidade da pessoa humana, e a aposentadoria é um instrumento fundamental para assegurar o mínimo existencial a essas trabalhadoras.

Em Busca de Justiça: Propostas e Soluções

O projeto de pesquisa não apenas aponta o problema, mas também busca soluções. A autora propõe uma releitura do conceito de grupo familiar, de forma a incluir a nora, validando o conjunto de provas (documentos dos sogros corroborados por testemunhas) e garantindo o direito fundamental à aposentadoria especial rural. A ideia é que a lei seja interpretada de forma a refletir a realidade social e a assegurar a dignidade e a igualdade a todas as trabalhadoras do campo.

ANA PALOMA SALVADOR defende que a prova do trabalho rural deve ser vista como um instrumento para buscar a verdade e efetivar direitos, e não como um fim em si mesma. A pesquisa visa subsidiar advogados e julgadores com argumentos robustos para defender os direitos dessas mulheres, combatendo o formalismo excessivo que hoje as impede de acessar um benefício tão merecido.

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Este trabalho é um chamado à justiça social, buscando dar visibilidade ao trabalho invisível das mulheres do campo e garantir que elas recebam o reconhecimento e a proteção previdenciária que lhes são devidos após uma vida de dedicação.